Publicamos o presente texto, que estava na nossa pauta há já há vários meses, um dia depois do ataque terrorista em Las Ramblas de Barcelona. O calor das emoções presentes em um acontecimento trágico não costuma ser um bom momento para reflexões calmas, mas isso é o que vamos tentar fazer aqui. No presente texto vamos tentar responder uma pergunta que muitos farão logo depois de uma grande tragédia. “Devo cancelar minha viagem?” Poderíamos trocar “Espanha”, no título do texto, por “Europa” ou pelo nome de qualquer país que você esteja planejando visitar.
Os eixos da nossa argumentação são dois. Em primeiro lugar, é legítimo se questionar se cancelar ou não uma viagem. Em segundo lugar, a viagem é sua e, portanto, só você é capaz de achar a resposta à sua pergunta. Não deixe que outros escolham por você.
Agora, o fato de você ser o responsável pela sua decisão não significa que a consideremos irrelevante. Queremos que você possa decidir com base em informações oficiais, que não se deixe levar por rumores e boatos desencontros, e que informações e juízos extremos não influenciem seu posicionamento.
Terrorismo na Europa
O terrorismo na Europa não é uma novidade. Ele fez parte do panorama de muitos países europeus durante as últimas décadas do século XX. França, Alemanha, Itália e, muito especialmente, o Reino Unido e a Espanha, padeceram a violência terrorista, principalmente protagonizada por grupos de ideologia independentista. Embora direcionada contra os símbolos do Estado, essa violência terrorista já tinha causado vítimas entre estrangeiros (dois estudantes espanhóis estiveram entre as 29 vítimas mortais do último grande atentado na Irlanda do Norte; dois cidadãos nascidos no Equador morreram no último atentado de ETA no aeroporto de Madri).
No século XX, coincidindo com o fim da atividade armada de grupos como ETA ou IRA, apareceu um novo tipo de terror na Europa, de origem islamista. 192 pessoas morreram em Madri nos atentados de 11 de março de 2004, e muitos outras vítimas se somariam mais tarde em atentados em muitas das grandes capitais da Europa. Mais recentemente, uma forma de terrorismo que exige poucos recursos espalhou-se pela Europa, com atropelamentos terroristas em cidades tão distantes como Nice, Berlim, Londres ou Estocolmo e, agora, Barcelona.
O nível de alerta
Apesar de algumas importantes cidades europeias ainda não terem sido cenário de ataques terroristas (Barcelona era uma delas até ontem) a realidade é que nenhuma autoridade policial pode garantir que sua cidade está livre de ameaça. Quem pretende viajar para a Espanha deve saber que não existem garantias absolutas e que, mesmo que muito pequeno, o risco de um ataque terrorista existe.
Hoje a Espanha continua no nível 4 de alerta terrorista, de um total de 5. Isto significa que existe um risco alto (não inminente) de acontecer um atentado como o que aconteceu ontem em Barcelona. O exército não patrulha as ruas da Espanha.
O que muda?
Em termos práticos, nada muda nas cidades. Além do nível de alerta anti-terrorista continuar o mesmo, como vimos na seção anterior, a vida nas cidades continua como antes dos ataques. A consequência mais visível dos ataques é a colocação de novas barreiras dificultando a passagem de veículos em lugares de maior movimentação.
A fiscalização na imigração, que continua sendo feita por amostragem, não deve mudar, até porque os autores dos atentados eram residentes legais na Espanha. Cumpra à risca as exigências da Espanha (veja elas no texto Imigração e vistos) e viaje tranquilo. As maiores mudanças no controle de imigração devem acontecer nos próximos anos, com a implementação do ETIAS (veja o texto autorização eletrônica para viajar à Europa (ETIAS): o que sabemos até agora).
Contextualizando a ameaça
O número de vítimas de homicídios no Brasil em um ano supera o de vítimas de terrorismo em todo o mundo em um século
— Guga Chacra (@gugachacra) 14 de agosto de 2017
Infelizmente, um brasileiro de quase qualquer parte do país corre um risco muito maior de ser vítima de um ato violento sem sair de casa, que viajando para o exterior. Hoje você está muito mais seguro em Barcelona que no Rio de Janeiro, em Londres que em Salvador, em Berlim que em Porto Alegre.
Na hora de tomar sua decisão, nunca esqueça dessa triste realidade.
Tome sua decisão
Vimos a imagem acima no Twitter do Gabe Britto
As estatísticas e os cálculos de probabilidade são absolutamente irrelevantes para quem é vítima de um ato violento, e por isso nunca vamos querer minimizar a existência do risco. Se a possibilidade de ser vítima de um ato violento, por muito pequena que ela seja, é algo que incomoda você, cancele sua viagem. Não gaste seu valioso tempo e dinheiro em visitar um lugar onde você não vai se sentir confortável.
Mas se o risco na Europa incomoda você, saiba que ele é muito menor que o risco que você corre morando na sua cidade do Brasil. Que a possibilidade de ser vítima de um atentado na Europa é muito menor que a de ser a trágica vítima de um acidente de carro no Brasil. É triste ter que tomar uma decisão se baseando em uma avaliação de risco (a vontade é de ficar trancado em casa!), mas essa comparação pode ajudar a superar receios.
Não sinta vergonha. Repetimos, a viagem é sua. Nos últimos meses visitamos Bruxelas e Londres, não consideramos cancelar nossas viagens. Mas não pense que topamos viajar para qualquer lugar. Também ponderamos e analisamos. Há vários destinos que adoraríamos visitar e que estamos adiando até acharmos que reúnem as circunstâncias necessárias que facilitem uma viagem mais prazerosa.
Uma nota política
Não gostamos de tratar de assuntos políticos nos nossos sites turísticos, mas em dias como hoje é difícil não tomar um posicionamento. Sempre que acontece um atentado como o de ontem em Barcelona há várias ideias importantes que logo mais povam nossa mente:
- não somos do tipo que coloca banners ou bandeiras do tipo “Pray for Barcelona”. Sentimos a dor das vítimas de Barcelona da mesma forma que a das vítimas de violência em qualquer outra parte do planeta. A solidariedade seletiva nos incomoda muito. Não existem vítimas de primeira e de segunda categoria. Reivindicamos um pouco mais de atenção para as vítimas silenciosas. Só esta semana, Al Qaeda matou 18 pessoas em um café de Burkina Fasso. Compare a cobertura dada pela mídia a esse atentado e a qualquer atentado na Europa.
- ha milhares de pessoas fugindo do horror de atentados como o de ontem em Barcelona, mas em uma escala muito maior. E a Europa está fechando as portas a famílias que, muito compreensivelmente, buscam distância do horror. Isso é uma vergonha. Os refugiados são vítimas que merecem nossa solidariedade. O mundo também foi solidário com os européus que fugiram do continente em tempos sinistros de um passado não tão distante.
- use seu voto para deixar de apoiar a partidos políticos que sustentam um sistema que vende armas para os países que bancam o terrorismo islamista. Não há credibilidade nenhuma nas palavras de condena emitida por quem faz negócios com xeques que alimentam o terror. O problema do terrorismo islamista é complexo, mas cortar seu financiamento é uma condição imprescindível para um dia chegar a derrotá-lo.
Veja também
Sobre a situação atual na Catalunha: a crise em Barcelona e na Catalunha, devo cancelar minha viagem?
Os queridos Ricardo Freire (atentados terroristas: devo cancelar a viagem?), Gabriel Britto (como viajar neste mundo tenso?) ou Mari Campos (Paris, ir agora ou não?) já escreveram bastante sobre o assunto. Vai lá conferir suas opiniões. Concordamos com quase tudo o que eles já escreveram.
Prefiro, se tiver que escolher, morrer em um atentado terrorista durante uma viagem do que doente numa cama de hospital.
Não vou permitir que um bando de extremistas determinem minha vida.
Querida Marcie, não gostamos de bancar o herói, mas concordamos com você, melhor viajando que doente em um hospital. Beijos!
Infelizmente o brasi (com “b” minúsculo mesmo) é muito mais perigoso que a Europa e EUA juntos.
Oi Yara! Essa é, infelizmente, a realidade, e é importante que as pessoas percebam isso.
Infelizmente é verdade que corremos mais riscos de vida em nosso país do que em ataques terroristas na Europa.
Isso é bem triste. Abraço, Léa.
Me sinto mais insegura no Brasil
A gente também!
Que texto excelente, Tony e Cecilia! Já compartilhei porque acho a leitura obrigatória (independentemente do destino final do viajante), mas não podia deixar de registrar aqui meus parabéns por um texto tão lúcido. Penso hoje igualzinho a vcs. E muito, muito obrigada mesmo pela menção.
Por nada, querida. Os últimos dias não foram fáceis, além da tragédia, tivemos que nos conter para não sair corrigindo tantas informações falsas e erros na divulgação, em língua portuguesa, sobre o acontecido em Barcelona. Informar corretamente é o primeiro pasos antes de qualquer outra consideração. Essa intoxicação informativa acaba alimentando os medos. Beijos!
Caro Tony.
Bom artigo mas creio não tocar no mais relevante que são medidas de exceção eventualmente tomadas pelas autoridade que podem prejudicar o curto período de nossas visitas. Comparar a insegurança de qualquer lugar com a do Brasil vai nos levar a visitar qualquer lugar do mundo, sem citar nomes de lugares pra não gerar polêmica, pois nossas estatísticas são certamente piores que de lugares definidos como zonas de guerra. É difícil.e terreno minado discutir estes assuntos políticos e certamente a decisão é individual, mas fica uma questão: algum novo cuidado com relação a documentação necessária, procedimentos exigidos, etc que tenhamos que dar atenção neste momento?
Prezado Raul, você tem razão, aceitamos sua observação e inserimos o parágrafo “O que muda?”, que não tínhamos mencionado anteriormente porque, como você vai ver, não há muitas novidades sobre o assunto. Achamos relevante a comparação da segurança no Brasil com outros países do mundo (apesar de que, inevitavelmente, leve à conclusão que você mencionou) especialmente pela enorme quantidade de comentários de conhecidos e leitores do tipo “nossa, vocês não estão com medo de viver aí?” Olha, medo eu tenho quando vou para o Brasil. Achamos importante inserir essa comparação em qualquer discussão sobre risco de violência nas viagens, mesmo salientando o ponto mais importante da nossa argumentação: a decisão de viajar ou não viajar é individual e intransferível, e merece todo nosso respeito. Aguardamos suas consultas na consultoria de roteiros! Abraço!